Há centenas de anos, a planta cannabis possui suas referências como utilização por seres humanos.

Na fitoterapia tradicional chinesa, cannabis era uma planta descrita como alucinógena.

O hinduísmo a descreve como uma de suas plantas sagradas devido a sua habilidade de ser “fonte de felicidade, doador de alegria e portador da liberdade”.

O budismo tântrico proveniente do Himalaia utilizava a cannabis para facilitar a meditação.

Os médicos árabes reconheceram sua capacidade de controlar crises convulsivas e, a partir daí, a planta e sua potencialidade se disseminaram para o mundo através das atividades mercantis de especiarias.

No século XIX e início do século XX, inúmeras apresentações em cápsulas, pós, extratos, tinturas e pomadas estavam presentes nas farmácias, com indicações para diversas enfermidades, desde indutores do sono, afrodisíacos, tratamento para transtornos neurológicos e psiquiátricos.

Além de sua ação no organismo, a planta teve um papel importante na história das grandes navegações, já que suas fibras eram utilizadas para produzir as cordas e as velas dos navios.

Seu óleo também foi utilizado como combustível de iluminação pública e para nutrição humana e animal, por possuir somente ácidos graxos de cadeia longa, como ômega 3 e ômega 6.

Originária da Ásia central, a cannabis produz através de suas glândulas diversas substâncias relacionadas a mecanismos de proteção ao meio ambiente como ataque de insetos, raios ultravioleta e programação de morte celular.

Os terpenos, os flavonóides e os alcalóides formam os principais grupos moleculares dessas substâncias.

Descritas pelo sueco pai da taxonomia moderna Carl Von Linné e pelo cientista Jean Baptiste de Lamarck entre os séculos XVIII e XIX, os gêneros Cannabis sativa e Cannabis indica possuem características distintas no que se refere a tamanho das plantas, largura das folhas, formato, coloração e aroma das folhas.

Em relação aos efeitos, a Cannabis sativa produz efeitos mais energéticos, enquanto a Cannabis indica produz relaxamento mais intenso.

Mas é aceito que, além da C. indica, outros gêneros como C. ruderalis e C. afeganica são variedades da C. sativa.

E como cruzamentos entre os gêneros C. sativa e C. indica produzem descendentes férteis, podemos aceitar o fato que todos esses gêneros pertencem a uma única espécie.

Sendo uma planta dióica, a planta fêmea possui reuniões de flores chamadas inflorescências que aumentam de tamanho até ser polinizada.

Nessas infloresências estão as maiores concentrações de fitocanabinóides da planta. Conhecidos como tricomas essas estruturas glandulares são as responsáveis pela defesa do órgão reprodutor feminino da cannabis, produzindo uma série de moléculas, entre elas os terpenos e os fitocanabinóides.

Os primeiros canabinóides a serem estudados foram o Delta 9 tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD).

À medida que a planta vai amadurecendo, os tricomas vão ficando mais escuros e ocorre uma maior conversão de THC em CBD.

Por possuir uma grande concentração de tricomas, a parte mais interessante para uso medicinal são as inflorescências da planta fêmea. A partir dela se extrai o óleo rico em terpenos e fitocanabinóides responsáveis pela interação com o sistema endocanabinóide que existe dentro do organismo do ser humano.

Na década de 1980, um estudo realizado com a participação de Brasil e Israel demonstrou o papel anticonvulsivante dos canabinóides, tornando-se a indicação mais procurada para terapia.

Foram esses trabalhos que culminaram na descoberta de duas moléculas produzidas nas membranas pós sinápticas do sistema nervoso.

Essas substâncias agem em receptores presentes nas membranas pré sinápiticas avisando que a transmissão foi eficiente e diminuindo a liberação de neurotransmissores nas fendas.

Esse sistema de auto-regulação está presente em diferentes sistemas de transmissão neurológica, além de sua interação com diversas atividades metabólicas, fisiológicas, psicológicas e patológicas de nosso organismo.

Diversos estudos demonstraram os efeitos anti-inflamatório, anti-convulsivante, analgésico, antiemético, antipsicótico, ansiolítico e anti-estresse do CBD.

O THC também tem suas propriedades antieméticas e analgésicas, mas possui também papel anti-espasmódico e estimulador do apetite.

Já está bem sedimentado o seu conhecimento sobre a sua utilização em pacientes com epilepsia, dor crônica, esclerose múltipla, autismo, transtornos pós traumáticos, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, doença de Parkinson, demência por Alzheimer, pacientes oncológicos e em cuidados paliativos, entre outras.

Fernando Loriatti Chami